Nadando no rio de coisas intermináveis a fazer

Não me considero um escritor. Nem pensador, filósofo, ou qualquer outro rótulo já conhecido. Eu apenas escrevo. Olho para essa página em branco à minha frente e vejo nela a oportunidade de derramar pensamentos. Ontem, aliás, funcionou muito bem, não só escrevi dois textos não planejados, como consegui extrair emoções profundas e remexer em velhas lembranças com uma clareza que me agradou - e é sobre isso que tem se tratado muita coisa da minha vida.

Sempre busquei isso: clareza. De pensamentos, de emoções, justificativa para minhas ações e reações. Clareza ao falar, expôr ideias. Clareza dos acontecimentos, sobre as pessoas com quem me relaciono, do mundo ao meu redor.

Oras, mas isso, todo mundo faz, não é mesmo? Não. E posso estar sendo arrogante, mas a resposta mais óbvia para isso é um retumbante não. A grande maioria das pessoas que eu conheço não faz o menor esforço para ter clareza, por mínima que seja. A grande maioria apenas se deixa levar. Pelo trabalho, pelo cansaço, antigas crenças, velhos conselhos, tarefas cotidianas, pelo rio interminável de coisas a fazer. Não lembro de ninguém próximo a mim que nos últimos meses começou uma frase com “Esses eu dias eu parei e pensei sobre…”. Ninguém.

Sinto como se todos fossemos (e me incluo) peixes em um grande rio, e agora uma grande tarrafa foi jogada sobre nós. Estamos presos (cercados) por assuntos mundanos. A nova tendência de roupa, corpos belos de vitrine, o novo carro, o novo eletrônico, e para balançar o consumo desenfreado que impede reflexões mais contundentes, algumas pinceladas de realidade, mas não muito profundas para não perturbar a decantação natural das coisas: quem ganhou qual jogo de futebol, o último escândalo de corrupção desse governo ou do governo passado, a chuva que destruiu isso ou aquilo mais, uma nova guerra, o preço da comida, etc.


E me vejo nadando contra essa corrente. Não por me sentir diferente, mas apenas porque não tenho que me encaixar em nenhum rótulo. Tenho que tomar minhas próprias decisões e conclusões. Chegar a elas sem o auxílio de uma tecnologia, mídia, corporação ou dogma religioso que só está interessado(a) em intermediar o meu pensamento, ações e viver com o objetivo espúrio de me arrancar mais um centavo a cada respirar e me ver de joelhos (dominado).

O mundo capitalista insiste em tudo: extrair, embalar e etiquetar - e vamos aos resultados do próximo trimestre. Danem-se as consequências. Vidas humanas não importam. Ter ideias próprias? Só se elas forem rotuladas e postas à venda em alguma prateleira real ou virtual. Ter ideias próprias (também) tem que ser lucrativo - essas são ideias que interessam.

Minhas ideias próprias? Eu faço delas uma pauta de conversa com amigos. Eu as exponho. E, mais recente, coloquei várias em um pote sem rótulo, e ofereço a quem se dispor a ouvir. Falo sobre humanidade real, compartilhar, não competir, aprender e ensinar, escrever, ouvir, observar, refletir. E, aqui com meus botões, acredito que refletir é o campo ideal para cultivar ideias próprias. O único campo que atravessamos e nos tornamos outro ao final dessa jornada.


Marcel

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