O odor de uma lembrança
Hoje quando acelerava para ultrapassar um caminhão carregado de tábuas de madeira, o cheiro da madeira nova entrou no meu carro. Voltei quilômetros em minhas lembranças, lembrei do meu avô. Vovô cheirava a madeira. Aquele cheiro fazia parte dele, e hoje me peguei pensando que aquele cheiro era o pouquinho dele que ainda existe em mim.
Meu avô foi carpinteiro a maior parte da vida. Não sei detalhes mais antigos, preciso da minha mãe ou dos meus tios para preencher algumas lacunas de histórias incompletas. Sei que ele nasceu no interior, morou (ou cresceu) um tempo em um seringal, chegou a trabalhar carregando sacas de castanhas em um porto no rio, até vir para a capital ganhar a vida como carpinteiro.
Minhas primeiras lembranças dele são na oficina trabalhando. Eu achava a oficina um mundo encantado. Eu posso refazer mentalmente aquele espaço (que não existe mais) apenas acessando minhas lembranças. Os cheiros, os aparelhos e instrumentos que nunca soube para que serviam.
Com o passar dos anos meu avô foi envelhecendo. Lembro que eu tinha o costume de dar um beijo no rosto dele antes de ir para aula à tarde. Lembro do meu avô na mesa da cozinha na hora do almoço, jogando paciência horas antes de dormir a noite, rindo das piadas do programa A Praça é Nossa na TV, quando faltava energia e ele ascendia velas pela casa.
Lembranças e mais lembranças.
As últimas que tenho dele guardo comigo. A última vez que o vi, ele estava se despedindo de mim, aquele olhar lacrimoso, no fundo eu sabia, só não admitia para mim mesmo. Gosto de pensar que aquilo foi um obrigado por estar com ele nos momentos finais e difíceis.
É, eu precisava falar sobre isso. Sobre o cheiro da madeira, e das lembranças que ela me trouxe. Assim como aceitar que um dia, eu vou ser uma lembrança, quem sabe um cheiro para alguém, para quando aqui, eu não estiver mais.
Marcel
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