O mais improvável dos sonhos

Lembrei de um sonho. Aliás, acabei de tê-lo - escrevo essas palavras na madrugada dos eventos. Nesse sonho eu e minha colega de trabalho estamos explorando a cidade, descobrindo seus limites. E em um determinado momento, saímos, cada um seu barco, da cidade já com o dia escurecendo. Assustados, fizemos o caminho de volta na esperança de não perder o braço do rio por onde saímos e assim voltar para a civilização.

Lembro que havia uma vaga referência. O mastro da bandeira era visível no horizonte, ainda que bem distante. Não nos perdemos. Retornamos e enfim chegamos a estrada que nos levava de volta para a cidade.

Nesse momento o sonho toma novos contornos: resolvemos praticar um furto! Há um depósito bem afastado e quase isolado em um canto e começamos a cogitar a possibilidade de passar a noite e, quem sabe, ficar com algo de interessante que possa haver dentro dele. Até conversamos sobre as ferramentas que poderiam ter dentro e o quanto elas são valiosas.

Arrombei a porta do depósito com facilidade, e até consigo saber a força que imprimi na manobra (acredito que nesse momento eu empurrei o travesseiro para fora da cama). Vasculhamos o depósito e nos espantamos ao descobrir diversas quinquilharias. Era o depósito de uma loja popular, os famosos R$ 1,99. Não havia nada de interessante de fato e passamos todo o período dentro do depósito olhando e olhando para aquelas prateleiras com um naufrago olha para o mar.

Quase amanhecendo, percebo um carro se aproximando da entrada. Resolvo ficar com uma mochila e quando saímos somos surpreendidos pela dona e dois filhos que nos pegam com a boca na botija. Há algum bate-boca, um dos filhos da dona chega a ser mais truculento, mas como prontamente entregamos a nossa única coisa furtada (a mochila), acabam os argumentos e os ânimos voltam a esfriar.

Depois a coisa toda se perde. Eu lembro agora de possuir uma bicicleta que furou o pneu e vou a uma borracharia que fica próxima para consertar. O borracheiro fica surpreso ao descobrir que eu sou o gatuno que estava dentro do depósito. Como uma banana split, que é vendida pelo próprio borracheiro que me vende um pneu novo e cobra pelo conserto. 

Depois de algum mal-estar os dois (um dos filhos e o borracheiro) ficam me encarando e ainda uma ameaça da dona do depósito com algo do tipo: o seu rosto eu não vou esquecer. E eu lembro de responder: você vai se surpreender. Um blefe, claro.

O sonho termina com minha colega preocupada com o que vai dizer em suas orações na segunda, e eu questiono por que ela não vai orar naquela mesma noite.

Termino meu sonho, essa louca viagem, pensando que nunca vou ser reconhecido por dois motivos, primeiro por aquele lugar ser distante e ninguém ter lembrado de tirar uma única foto minha; segundo, o que eu fiz em sonhos, não se reflete na minha vida pessoal...


Enfim, não há muito o que extrair dessa sequência improvável de eventos. Nem mesmo das minhas ações ou sentimentos dentro desse lúdico evento. Apenas reflito o porquê de uma coisa dessas ficar tão fixa na minha memória a ponto de me lembrar de partes inteiras com muita nitidez.

Ou ainda, por que eu já no final com a consciência de estar sonhando, acordar tranquilo sabendo que não haveria consequências?

Não sei dizer ao certo, mas isso me remete a um momento de um livro lido recente (no momento que escrevo) que posso resumir como: Dance conforme a música. E talvez isso se aplique ao meu sonho.

Dentro dele posso ir de explorador dos limites da minha própria cidade a um gatuno curioso em questão de minutos. A possibilidade de explorar o inimaginável é tão atraente como a própria certeza da impunidade no mundo real. Acho que isso é que me atrai nos videogames, no livros e nos filmes: a certeza de experimentar diferentes vivências, ter uma aventura na ponta dos dedos e saber que ao final vou estar de volta para mim mesmo encarando somente o peso da realidade de minhas escolhas.


Marcel

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