Fios Brancos
Percebi dois novos fios brancos na minha barba. Dois. Estou bastante contente comigo mesmo por conseguir somar algo à minha vida. Mais ainda se tratando de matéria capilar.
Há alguns fios (brancos, claro) que despontam nos meus braços - e em outras partes do corpo que por questões de caráter não me permitem expor mais da minha intimidade obstinadamente preservada. E a cabeça, bom, essa eu me ponho a analisar com calma contida. Eles estão aparecendo, aqui e ali. A fatura dos anos vividos refletindo mais claro nas laterais da minha cabeça. Assemelham-se, como direi, a soma de pequenas dívidas. Aos poucos e em pequenas porções. Quem já tomou um susto com o cartão de crédito sabe muito bem ao que me refiro.
Acima da testa há um fio bem longo, e rebelde. Vou chamá-lo de Abelardo. Abelardo merece nome e parágrafo próprios. Há em Abelardo algo daquilo que já fui: um desajeitado no meio da multidão homogênea. Ele desponta branco e mais fino que seus companheiros de cor mais escura por sobre minha testa. Sua superfície é irregular. Abelardo difere dos demais não só pela cor, mas também pela textura. Com o tato e o olhar percebo Abelardo mais ‘ondulado’. Seria essa característica uma falsa impressão e por isso o coloco em uma prateleira destacado dos demais?
Divagações enquanto me divirto penteando os cabelos e observando novos fios se juntando ao movimento. Muitos Joaquins, Pedros, Hugos, Igors (Igores?). Cada um a seu jeito, cada um no seu canto. Curtos, finos, pequenos, fáceis de detectar e outros mais envergonhados. Penso, em que momento vão adentrar o palco? Ao menos me reservo o luxo de chamar “palco” a outros termos como aeroporto de mosquitos e mariposas. O assunto é a branquitude das eras que povoam, aos poucos, minha cabeça. Não uma calvície destacada, longe de me permitir desconto em farmácia para produtos geriátricos, vaga na fila da terceira idade ou de ser destaque na multidão com uma superfície lisa e reflexiva que brilha ao sol.
Essa pequena minoria de fios vai se somando e aos poucos tornando a imagem no espelho uma novidade com o passar dos dias. Olho para mim e me acho melhor. Há algo de belo em me enxergar menos jovem a cada dia. Há um olhar piedoso que reservo para mim - e me percebo mais condescendente com minhas novas características.
Aceito que ser mais velho, e menos novo a cada dia, é um legado. E o meu, deixo em palavras. Um testamento escrito das minhas emoções mais sinceras, dos meus pensamentos mais verdadeiros, das reflexões que me fazem acordar cedo, dormir mais tarde e virar madrugadas. Das vezes que olhei para mim mesmo e me agradei não apenas do que vi, mas também do que mais descobri sobre mim mesmo, ao somar mais um ano de vida.
Feliz Aniversário!
Marcel
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