Sorriso sincero

Durante anos eu tentei contar piadas. E, com raras ocasiões, sempre me saí muito mal, apesar de insistir nessa cantiga até bem recentemente. Era a minha “forçação de barra”. Tão pessoal, tão minha, tão desnecessária. Eu no fundo me incomodava muito. Restava um gosto metálico na boca e pensamentos conflitantes sobre o motivo de eu ainda (insistir?) me apresentar como contador de piadas. Esse é um dos muitos momentos em que identifico o quanto eu nunca me “encaixei” nas caixas que todos devem caber.

Confuso? Vamos separar algumas coisas.



Primeiramente, nunca fui uma pessoa engraçada. Essa é a análise rápida que faço. Contar piadas não é algo pelo qual serei lembrado. Por outro lado, marco muitos pontos ao “embarcar nas histórias.” O que isso significa? Fazer pontuações, lançar observações além do lugar comum, dar respostas inesperadas em momentos mais sérios ou tensos, brincar com os fatos, fazer adições, rever pontos. Nisso eu sempre me saio muito bem, a maior parte do tempo. O sarcasmo é a primeira ferramenta que utilizo. É claro que procuro não ser maldoso e, sim, já errei a mão diversas vezes.

Parte de mim aprende com esses erros, outra parte tem muita dificuldade de enxergá-los. Preciso sempre de uma revisão profunda, sincera e aberta para identificar minhas falhas - acredito que isso se aplica a tudo na vida, não é mesmo?

Segundo, havia uma inquietação. Eu queria ser aceito no grupo de amigos que, com algum esforço, ainda fazem parte da minha vida. Alguns mais distantes, outros eu sequer posso chamar de amigos. A distância, o dinheiro, os propósitos, o enxergar, tudo isso me afastou e me afasta de muita gente. E era essa minha inquietação que me fazia descer alguns degraus e me aproximar mais da água, sentir a temperatura do ambiente. Todos falam de futebol? Então de futebol falarei. É sobre o Fluminense? Ok, falaremos sobre o Fluminense. E assim me vi perdido em tardes e noites conversando assuntos desinteressantes por horas apenas pelo prazer de estar ao lado de pessoas queridas. Pode soar estranho, ou muito pedante da minha parte, e nada de errado conversar com pessoas sobre os assuntos mais variados, até mesmo assuntos que não tenho muito afeto, porém, repetir sempre a mesma tecla, repetir as mesmas observações, sempre me soou, e agora tenho a palavra certa para isso, superficial. 

Eu sentia navegar naquilo mas sem nunca chegar a lugar nenhum. Era um falar por falar, estar ali por estar ali. Repetir e repetir as mesmas observações desconexas. E nada contra quem gosta de futebol. Mas para eu fazer parte daquele grupo, eu precisava falar sobre aquilo demonstrando o maior interesse, e ainda hoje me pergunto se faria novamente aquele caminho, se tomaria novamente as mesmas decisões do passado.

Terceiro, não bebo e não fumo. O segundo não chega a ser uma preocupação constante. Mas não beber na sociedade do #sextou, a palavra-chave para muitos se sentirem libertos do trabalho infeliz e opressor a que são submetidos seis dias na semana, é quase tão estranho quanto não ter redes sociais. E sim, também não tenho redes sociais. Logo sou um estranho no ninho ou alienígena por não saber o meme, estar por fora do que rolou na rede ou não comemorar com uma bebida mais um entardecer do último dia da semana de trabalho.

Quarto e último ponto, eu aprendi. Aprendi após anos de muita reflexão e desgostos que sim eu devo desenvolver a habilidade de falar outros assuntos com amigos e colegas queridos. E, por tabela, tirar conclusões engraçadas no processo (é aqui que eu embarco). Não posso exigir de todos os meus conhecidos a todo instante refletir sobre a vida, as questões da alma, o universo e as questões sérias que nossa existência humana precisa encarar. 

Às vezes, estar com um amigo é contar um causo, rir de uma situação, relaxar por alguns minutos e colocar de lado as preocupações financeiras, pessoais e profundas que tanto sobrecarregam. É ver no sorriso sincero de quem preza pela minha presença o sentido real de estar vivo e achar motivos para rir, mesmo nos momentos mais difíceis…


Marcel

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