Luciana

Tempos atrás fui incumbido de escrever uma carta para minha irmã Luciana, a pedido da Luciana-xará sua mentora, coach, parceira, amiga, advogada, mãe-solo, e ufa! Durante um final de semana, minha irmã participaria de um evento-encontro onde ela seria posta de frente com muitas situações do passado, posicionamentos e, ao final, ela receberia presentes e mensagens de pessoas próximas a ela como parentes e amigos. Ou seja, algo não só muito íntimo como bastante pessoal.

Pensei muito e resolvi publicar o que escrevi para minha irmã naquela tarde-noite do dia 13. Lembro de começar várias vezes. Não era insegurança ou algo do tipo. Era apenas um irmão que reconhece na irmã uma força de vontade que ele mesmo não possui.

Essa é a carta que eu enviei pela Luciana-xará (que só me chama de Marcelo) para minha irmã.


13/julho

Minha irmã,

Acredito que você não saiba, mas eu recentemente comecei a escrever. Não um livro, nem algo do tipo, eu comecei a escrever para mim mesmo. Comprei um caderno uma matéria, e todos os dias encho algumas páginas com coisas que quero esvaziar da minha cabeça.

Percebi que ao longo dos anos eu me torturava por muita coisa. Coisas das quais hoje nem sei ao certo dizer o porquê. A verdade é que, depois que comecei a escrever alguns pensamentos e indagações, minha cabeça ficou mais leve. 

Fico feliz por poder te escrever!

Comecei com essas palavras e não sei ao certo onde vou chegar. Espero que você esteja bem e curtindo muito o momento que você está passando. O pedido da Luciana (tua advogada-xará) pra te escrever me pegou de surpresa. Eu não sabia exatamente o que escrever! Foi preciso respirar um pouco hoje a tarde, me trancar no quarto, e começar a repensar algumas coisas. Aliás, escrever me ajuda a repensar muito sobre minha vida, meus atos e repassar o meu passado.



O que propus a escrever é sobre um momento do meu passado recente e sobre o quanto isso tem ressoado e me fazer refletir nos dias atuais.

Quando tive meu problema sério de saúde em 2017 e passei pela cirurgia do pulmão, lembro muito bem do nosso pai indo me visitar com bastante frequência. Ele estava visivelmente preocupado. Chegou a me visitar na UTI.

A reflexão que eu faço é: no momento que mais precisei, meu pai estava lá. Ele me ligava, procurava estar presente, comprava remédios, conversava com todo mundo, se preocupava com minha recuperação. Lembro disso com muito carinho e me sinto eternamente grato.

Isso na verdade vai além da gratidão. Não sei se é a palavra mais adequada, e acredito que ainda tenha que refletir sobre isso com calma um dia. O fato é: ele estava lá. Ele se importava em estar presente. 

Sim, eu já confessei para você que gostaria que meu pai estivesse mais presente em outros momentos da minha vida. Antes sentia muita falta dele e não quero dizer que hoje não sinta. O ponto é que procuro estar presente para os meus filhos. Quero ser para eles mais do que um pai, quero ser uma lembrança que guardem com carinho.

A verdade é que nas últimas semanas, e pelo quanto mais eu sei da situação delicada que o nosso pai está vivendo, e o quanto tudo isso tem afetado a saúde dele, isso também me afetou. 

Eu dormi mal alguns dias, em outros eu acordei mal. Senti dores, uma certa angústia e até mesmo culpa. Como eu gosto de pensar: “já que não sou parte do problema, tá na hora de eu ser parte da solução.”

E foi nessas semanas, por nossas conversas por telefone, por nosso contato mais próximo que um misto de alegria e preocupações me tocou. Eu estou feliz por estarmos nos aproximando mais, mesmo que seja no momento mais delicado da vida de nosso pai.

Eu estou feliz por estarmos juntos buscando uma solução no momento que ele mais precisa. E que bom que você me ligou e foi me colocando a par da realidade. Provavelmente, se não fosse você, eu jamais saberia da metade ou da gravidade da situação atual.


Eu sei que ele sente muito orgulho de você. Por baixo daquela casca dura tem um coração de manteiga (pelo menos, eu acho, hehe).

Nosso pai não esteve presente na minha vida. Você sabe e entende disso tão bem quanto eu. E não o culpo ou me sinto chateado por isso. É o jeito dele. Nem todos tem que agir da forma como eu penso que é o certo. Penso que de certa forma isso não é bom para ele, porém foi olhando para ele que me tornei um pai presente para meus filhos. Na falta de um exemplo em casa, eu procurei estar e ser aquilo que não tive.

Brinco com meus filhos, e muito! Ensinei o João a andar de bicicleta nessa rua. Pinto desenhos com a Marina, jogo videogame (ou pelo menos tento) com os dois (isso até virar uma briga pois os dois tem lá seus momentos). Leio história, levo pra escola, assisto filme junto, dou banho, converso, enfim… Procuro fazer parte da vida deles, mesmo tendo dentro de mim um espírito de Zé Arnaldo (meu pai) que gosta de ficar no meu cantinho lendo meus quadrinhos, meus livros.

Às vezes ligo para nosso pai, e fico triste pois ele pouco se interessa em conversar comigo. A animação que o João tem em conversar comigo é tanta. Fico me perguntando que tipo de pessoa eu seria hoje se meu pai desse metade da atenção que eu dou para o meu João.

Quando eu olho para você, percebo que você se tornou a única filha que de fato merece o nome dele. Os outros (nossos outros irmãos) não ligam, ou pelo menos deixam ele em segundo plano a maior parte do tempo. Triste enxergar dessa forma, não é mesmo?

Diferentemente, VOCÊ sempre procurou tratá-lo como pai.

Você construiu e continua a construir uma relação sólida com ele. Você consegue não só enxergar as qualidades, mas também consegue olhar para além da casca e ver os sentimentos dele. 

Pede conselhos, quer ser parte da vida dele, quer cuidar dele, chama pra jantar, pra participar da educação do seu filho. Você assumiu um lugar que nenhum de nós, quis ou de fato teve disposição. Você enxergou o homem que nosso pai é e quer muito estar com ele.

Espero um dia poder estreitar mais os laços com meu pai. E se tem alguém com quem eu tenho que aprender, esse alguém é você.

Felicidades, minha irmã.

Te desejo tudo de bom.


Seu irmão,

Marcelo - A Luciana-Xará não acerta meu nome… 🥲

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