Mensagem na garrafa
Um dia vou olhar para esses meus textos com uma mistura de emoções: orgulho, saudade, risadas, esquecimento, estranhamento e … bom, eu mesmo não sei mais o motivo ou o sentimento que me levou a escrever muitas coisas (essa é a parte do esquecimento).
As palavras que deixo são para o mundo e também são para mim. São como mensagens em garrafas, fazendo alusão a uma lenda urbana sobre colocar manuscritos em recipientes e deixar ao sabor do tempo e das marés - e torcer para que alguma alma letrada os encontrem. Algo que pode soar estranho para o século XXI com suas mensagens instantâneas, transmissão simultânea de pensamentos e teorias da conspiração percorrendo em segundos a terra plana, oca ou em formato pneumático.
É tudo cada vez mais rápido e na ponta dos dedos. Na mesma tela do celular vemos o vídeo do gatinho (felinus fofuchus) que bomba no momento, o símbolo da bateria do celular em vermelho com 10%, indicando que você esqueceu de carregar o aparelho, enquanto uma mensagem do patrão invade a tela cobrando um relatório com prazo atrasado enquanto você curte seu segundo e penúltimo dia de férias após 9 anos de dedicação ininterrupta e fiel ao trabalho.
Mas o assunto que me trouxe até aqui foram os livros. Ah, para eles eu dedico um pedaço especial dessa reflexão. Mesmo eu, um amante da palavra impressa, imponho limites. Além da alergia ao pó que ocupa as estantes com obras que possuo, e que em dedicação abnegada evito perturbar sua delicada arrumação (me refiro ao pó), há também o limite físico. Onde, afinal, guardar tantos livros, cadernos, revistas? Alguns retenho com carinho e ciúme ferrenho. Exceto as obras pornográficas, todas doadas ao meu amigo Cláudio Gordo que sempre me abre um sorriso e faz um gesto com as mãos ao recordar a (saudosa) edição de janeiro de 2000 com Vera Fischer na capa da Playboy.
Foram com esses pensamentos na cabeça que carreguei nos braços uma caixa com livros para doação. No caminho ponderei o quanto daquilo era de fato meu. Alguns certamente não eram. E acertadamente, imagino, os donos não apoiariam minha atitude nobre de repassar seus tesouros sem a devida autorização formal. Ainda que meu caráter cobrasse uma explicação melhor para minha atitude com material alheio, recorri ao velho dito popular, e que no momento foi mais que suficiente para mim: fruto que cai no meu quintal, é meu. Isso se aplica para frutos (óbvio), dívidas, filhos e (agora) para os livros (por essa dedução, meus) que levo para o sebo.
Ah! Eu descobri que minha cidade possui um sebo. Aquele lugar (não recorra ao Google, eu estou aqui para isso) com poeira, traças, encadernados, poeira, caixas, pessoas estranhas, que parecem parte da mobília coberta de mais poeira, que vasculham corredores em busca de originais do velho testamento autografados. Que ambiente! Me sinto com nove anos no recreio da escola!
Topei com uma figura familiar. Acenei e ela, em ato contínuo, também. Esbocei um sorriso interior de satisfação e fui me aproximando. Topei com a superfície e me descobri batendo com a cara em um espelho, que também tinha uma camada generosa de pó - safra de 76, com notas de amadeirado.
Fiquei me observando. Observando minha figura, no meio do espelho, entre pilhas de volumes. Como pude não perceber que, 'o figura' empoeirada, era eu?
São tantas camadas que a vida social e o trabalho me impõem. São tantas obrigações formais, sociais, com pessoas, com datas, com o relógio. É quase um acontecimento fazer algo que de fato gosto…
Nem sempre é fácil se reconhecer quando se está fazendo algo que gosta.
Marcel
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