Morte

 O único momento que todos compartilhamos


É um sentimento triste pensar que pessoas queridas, próximas a nós um dia farão essa viagem final. A transição para outro plano, como gosto de pensar.


Mesmo pessoas não tão próximas a nós, colegas de trabalho, nos remetem a um pesar momentâneo, um vazio, dificuldade de engolir. A morte não é uma lembrança boa, apesar de trazer união e alguma confraternização quando estamos todos juntos compartilhando lembranças e risadas em um velório. Eu já vi essa cena acontecer diversas vezes ao longo da minha vida, e continuarei a vê-la por muitos anos, até o dia em que eu me for.


E pensar que quase fui, algumas vezes. As mais recentes: quando me despedi da vida na aula de natação. Lembro como se fosse hoje da sensação de deixar o espírito me guiar, de entregar a vida do meu filho e da minha mulher nas mãos de Deus e descansar.


A segunda vez foi quando fui ser operado. Quanto medo senti! Foi o momento que mais senti medo na minha vida. Reuni toda a coragem que tinha dentro de mim e abri a boca para dizer “eu quero” (quando o anestesista me perguntou se eu queria ser operado). Aquele dia, melhor, aqueles momentos que antecederam, foi a certeza de que eu não voltaria. Foi quase, nossa…


Hoje quando penso na morte sinto um certo incômodo. Sei que não é aquele vazio anterior de me achar longe dos meus objetivos, que já mudaram tanto que estou pensando seriamente em (re)batizá-los para um nome mais apropriado. Nem o fato de estar saindo desse mundo deixando duas crianças. É quase um soluço. É a sensação de interrupção. Acho até que me falta ar.


Evito pensar no assunto. A morte ainda é um tabu na cultura que vivo. Nós comentamos sobre os mortos, como morreram, quem foram em vida, compartilhamos lembranças, mas dificilmente fazemos grandes questionamentos sobre a própria morte. Há algo de incômodo em encarar a própria mortalidade. 


Eu sei que todos vamos morrer. É triste pensar que nossa existência um dia vai ser apagada pelo tempo. Assim como antes de mim foram os meus avós, meus bisavós e tanta gente que não conheci ou pouco me dei ao trabalho de conhecer.


Também não quero entrar na espiral de me sentir mal por estar vivo enquanto tantas pessoas estão doentes às portas da morte. A vida é isso mesmo. Enquanto tem gente na lama, do outro lado da rua tem festa com cerveja e som alto. O mundo é desigual, somos instruídos ao individualismo, falta de solidariedade. Se importar com a dor dos outros é o mesmo que ser um habitante de outro planeta.


Recentemente foram algumas perdas, duas pessoas mais distantes, e um colega do trabalho de quem vou sentir falta. Esse último enfrentou um problema sério no pulmão e eu fiquei muito tocado pois é um assunto que sempre vai mexer comigo.


Infelizmente meu colega não resistiu. Mais novo 3 anos que eu. A vida mais uma vez corre. Morrer é um instante. A herança que todos compartilhamos. A certeza de uma lembrança, uma dor, que não queremos experienciar.


Somos de carne, ossos e sangue. Meu espírito sente a partida dos que foram e se compadece pelos que vivem e ainda precisam guardar o devido luto para se recuperar. Além do que sou, minha alma (talvez) clame por algo que não entendo muito bem.


Preciso refletir mais. Não quero likes, ou a aprovação de ninguém. Apenas senti a necessidade de expressar em palavras esses momentos que vivi recentemente. Esse triste constatar que somos um sopro, que a vida e seus dias, fez questão de me lembrar…




Marcel


Comentários

  1. Parei um ritmo frenético de trabalho aqui e fiquei absorta no seu texto. Retirou-me do meu lugar de concluir tarefas e me levou para um espaço de reflexão sobre a vida e sua brevidade mais uma vez. A sua dor me levou as dores já vividas de despedidas sem volta. Me tocou profundamente. Que lindo que vida do seu colega tocou a sua de algum modo. Desejo de todo coração que as memórias de momentos compartilhados sempre esbocem um sorriso de gratidão no seu rosto. E que essas memórias te ajudem a viver o dia de hoje e os outros em que a ausência do colega continue a fazer doer algo no seu espírito. Sinta-se abraçado afetuosamente e acolhido em sua dor.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Emoldurar

Diálogos

Arrependimentos no retrovisor